sexta-feira, 29 de julho de 2016

Nada causa maior devastação do que a dúvida.  Dói, corrói, magoa, rasga, causa vómitos e tonturas.  É pior do que a incerteza, do que a suspeita, do que a descrença. 
A dúvida é uma certeza.  É um ardor que vai crescendo, que se instala.  E adopta a forma de uma sombra que se insinua sem parar.  Sem dar tréguas.  Sem dar espaço a outro qualquer sentimento que não seja a certeza.  Da dúvida...

Estávamos ambos na fila do supermercado.  Á minha frente, segurando um saco com fruta da época, ele aguardava pacientemente pela sua vez.  Olhei-lhe para as mãos, cobertas de rugas. A pele, queimada pelo sol e pelo tempo, parecia feita de papel pardo...
No dedo anelar trazia duas alianças, testemunho de um casamento orgulhosamente longo.  No mindinho, mesmo ao lado, estavam outras duas, iguais no formato e no significado, mas mais pequenas.  Percebi que aquelas alianças teriam pertencido a um outro dedo, num outro corpo mais pequeno, e que um dia, de tanto andarem de mão dada, ficaram ali, no dedo mindinho da sua mão esquerda.  Essa ideia fez-me sorrir carinhosamente.  Olhei para a minha mão nua, e senti inveja da sua historia...
Enquanto esperávamos, passou a mão pela face, como se fosse uma caricia - e eu soube que era ela a tocar-lhe quando me pareceu vê-lo beijar a sua própria mão.
Acredito que em tempos, no lugar do saco de fruta, aquelas mão terão segurado o mundo, certamente...