sábado, 18 de julho de 2015

E agora? 
O que fica depois de ti? 
O silêncio?  O vazio?  A água na boca?
Ficam memórias sem luz nem som.
A mão vazia.  O abraço orfão.
Fica a dor sem fim, a pergunta sem resposta, o grito sem eco...
Saudade é isto que sinto?

De cada vez que te perco, fico sem chão.  Sem rumo, sem norte.  Sem vontade de seguir.  Sem horizonte. 
A ideia de sair da tua vida, de tu ires embora da minha, é um muro no meu caminho.  Maior do que a minha altura. 
Faltas-me tu e sobra-me tempo.  Falta-me o abraço.  Falta-me o ar.  Mergulho em lágrimas e soluços.
E penso como é que eu, que sempre fui tão segura, já nem sei ser sem ti...

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Enquanto retirava a maquilhagem em frente ao espelho, ela não conseguia conter as lágrimas.  "Estou cansada de ser forte.  De cair e levantar-me do chão, como uma mola, tão depressa que os outros nem chegam a dar conta", pensava ela, sentindo que  os pensamentos eram temperados com o sal que lhe vinha dos olhos.
Toda a vida foi assim, nem ela sabe como é ser de outra forma.   Em pequena já negociava em casa para os irmãos se portarem bem, para que a mãe não tivesse incómodos, para que o pai gostasse das notas da escola... "pede desculpa ao teu pai por teres tido bom no teste", dizia-lhe a mãe.  E ela pedia e prometia que para a próxima se iria empenhar mais.  E não descansava enquanto isso não acontecesse.  Era menina de Quadro de Honra na escola.  Aliás, nem outra coisa lhe era permitido.  Toda a vida sentiu que só esperavam que tivesse sucesso em tudo o que fazia.  Que se desse bem.  Cresceu assim, a sentir que não havia espaço para erros.  Melhor dizendo, não havia espaço para ficar a lamentar os erros.  Não havia tempo.  A vida era pequena demais para isso.  Acabou o curso e ninguém deu por isso.  Todos tinham coisas mais importantes em que pensar e ela não fazia mais do que a sua obrigação.  Não era para isso que lhe tinham pago os estudos? Claro que sim!
Aprendeu a não se queixar, a agradecer a saúde, a sentir que era bom ter apenas uma enxaqueca de vez em quando.  Lamentar-se para quê?  Ainda nem tinha acabado a frase e já ouvia o eco de doenças piores, sempre mais graves do que o que lhe acontecia.
Com o amor foi a mesma coisa.  Sempre.  Não deu certo?  Não há tempo para chiliques, para depressões.  De todas as vezes que foi protagonista de uma história de amor deu tudo o que tinha.  Acreditou e lutou.  Fez desse amor a sua bandeira, a sua ocupação de 24 horas.  E, mesmo assim, por motivos que nem ela mesma sabe, não dava certo.  Paciência, temos pena.  Limpa as lágrimas, vira a camisa do avesso e segue em frente, não há tempo para ficar a lamentar o que não tem remédio.  Quem não nos acompanha é porque ficou para trás, é uma das suas normas de vida.  E pronto, é isto!
O pior é à noite.  Quando se desmaquilha e se vê como é.  Quando está só consigo, no silêncio da casa.  Quando pensa em tudo o que fez, em tudo o que disse, em todas as vezes que os outros não estiveram lá.  A culpa é tua, repete em voz alta, uma e outra vez até fazer eco nos seus ouvidos.  A partir de agora vai mostrar toda a sua fragilidade, promete à imagem que a olha do outro lado do espelho.  O tempo das medalhas acabou.  Porque está cansada de ser forte, de ser âncora, de ser farol...

Faz tempo que não te escrevo uma carta, Avó.  Os dias passam uns atrás dos outros, as semanas sucedem-se e logo mais está aí um novo mês para percorrer, dia após dia. 
Aquilo que penso em fazer hoje vai ficando em fila de espera para amanhã, para depois.  Há quase sempre outras coisas que nos distraem do essencial e que nos fazem perder tempo. 
Invariavelmente, dou comigo a pensar no que tenho para fazer, no que devia ter feito, no que já não vou a tempo, algumas vezes...
Nos últimos tempos da tua vida comunicávamos por escrito. Os teus quase cem anos já não te permitiam ouvir como dantes.  E eu, que até gosto de escrever, fazia-o sem sacrifício - era-me muito mais custoso falar alto e lembrar-te, a cada palavra, que estavas a ouvir cada dia menos.  Assim, sempre que possível, ias-te ouvindo ler-me.  Era quase igual a estarmos juntas a conversar, não era Avó?  Para mim, sim!  Eu lia as tuas palavras e ouvia a tua voz.  Sibilante, forte, agora só ecoa na minha cabeça quando penso em ti com força, quando a saudade aperta muito. 
"Gracinha?" era assim que me atendias ao telefone...  (agora, quando ouço esse nome, só me apetece chorar...)

Hoje viveste outra vez, Avó.  Apareceste-me à noite dentro dos meus sonhos.  Nem percebi bem como foi, quando dei por mim tu já lá estavas.  Não era só a tua imagem, eras tu inteira.  E não eras só saudade ou angústia - isso sinto eu  pelos que morreram e já não voltam - tu estavas tão viva como eu, o sonho todo foi a tua voz, o teu cheiro, o toque da tua mão.  Voltei a ouvir-te chamar o nome que me deste em pequena "Sissi, minha querida Sissi", e percebi, uma vez mais, que os nossos nunca morrem. 
Durou muito mais do que o tempo de um sonho. E de manhã, ao acordar, deixei-o ficar na cama desfeita e tu percorreste comigo o meu dia até agora. 
Hoje morreste outra vez, Avó...

Posso duvidar de algumas coisas, não ter certezas sobre o futuro ou não acertar à primeira no nome daquele vizinho que já não vejo há uns tempos.
Posso parecer indecisa na escolha da roupa que vou levar vestida.  Ou dos sapatos que devo calçar.
Posso olhar-me ao espelho e duvidar sobre se apanho o cabelo ou o deixo solto.
Posso, ainda, hesitar se levo o carro para o trabalho ou se apanho a tua boleia para depois percorrer a pé o caminho de regresso, no final da tarde.
Existem situações que me fazem vacilar, mesmo antes de dizer sim ou não. A maior parte, felizmente, são futilidades e tanto faz uma escolha como outra.  É-me igual,  Ou quase...
No entanto, existem outras coisas que são fundamentais e que estão bem claras na minha cabeça.  No meu coração.  Na minha vida.
Uma é esta - estou ao teu lado porque quero. 
Porque entre todos os outros caminhos que tinha à minha frente, eu escolhi este que agora faço contigo.
Estou ao teu lado para o que der e vier.  Para os momentos bons em que basta só estar.  Nem é preciso fazer mais nada.  E para todos os outros momentos, em que seria tão simples virar as costas e bater a porta.
Porque sim!  Não tenho dúvidas.  Não vacilo.  Não hesito.  A minha vida é preciosa demais para a deixar entre o "quero e o não quero".  A tua também, espero.
Já estive em muitos outros sítios antes, que deixei lá atrás para estar aqui agora.  E estou aqui porque quero, repito.
Porque és parte dos meus dias, das minhas noites, porque és a minha semana, o meu domingo, a minha vida.  Porque és parte de mim!  E eu agora já nem sei ser sem ti...
O futuro?  Não sei.  O futuro é apenas mais uma palavra.  O que eu sei é que o agora é que conta, são estes os momentos que temos nas mãos e é a nós que nos compete decidir o que vamos fazer com eles.  Podemos vivê-los juntos, misturá-los, dividi-los, não dar conta que eles passam enquanto vamos ficando mais velhos.  Ou podemos separá-los, deixá-los seguir caminhos diferentes, sem objectivos comuns, sem par, sem serem o reflexo uns dos outros...
Não podemos é ficar neste limbo, neste quero-não quero, neste balançar...
É urgente decidir!!!
(... para aqueles que levam os dias a desfolhar malmequeres)