Hoje acordei com um aperto no peito. Sonhei a noite inteira que a minha vida tinha chegado ao fim e que não teria mais tempo para fazer o que ainda me falta. Voltar a Paris. Despedir-me dos amores. Dos amigos. Lanchar, uma última vez, nas Vicentinas, em Lisboa. Beber um gin no Procópio, depois do cinema. Olhar o pôr do sol em Cascais, a minha mão dentro da tua. Ficar a ver a chuva cair dentro do mar. Passear sem destino. Escolher o local para as próximas férias. Coisas importantes e que não podem ficar sem ser feitas. De todo!
Esta manhã, ao abrir os olhos, percebi que comecei a fazer hoje o caminho de regresso. Para o lugar de onde vim. Para ir ter contigo, ao sítio onde me esperas. Para te voltar a abraçar. Para ter, outra vez, tempo para te olhar, enquanto me falas de ti. E me perguntas por mim. E tanto que tenho para te contar...
Da próxima vez que aqui voltar, sei que não me vou lembrar que já cá estive antes. Todas as memórias que me enchem a cabeça e o coração serão apagadas. Ou não... porque, por vezes, tenho a sensação de estar neste tempo a viver uma outra vida paralela. Como quem vive em dois mundos...
quarta-feira, 11 de março de 2015
sábado, 7 de março de 2015
Se pudesse escolher, eu preferia não ter crescido. Ter ficado para sempre pequena. Ter os irmãos e os amigos todos do meu tamanho. Brincar às escondidas no jardim, andar de bicicleta e saltar ao eixo ou jogar à macaca na escola. Achar a minha casa enorme, dividir o quarto com o meu irmão. Olhar para os pais e achá-los invencíveis. Eram os meus heróis. Ter respostas para as perguntas que fazia. Ter tempo. E livros e música por companhia. Viver num mundo feito de sonhos. Pensar que todos eram felizes. Olhar em redor e encontrar apenas pessoas vivas. Morte? Doença? Infelicidade? Dor? Isso eram apenas jogos de letras que tinham sido criados para rimar com outras palavras. O mesmo acontecia com pobreza, fome e solidão.
Não pude escolher e cresci. Os irmãos estão longe e os amigos têm tamanhos diversos. Cada um seguiu o seu próprio caminho. Os pais são apenas gente que luta para sobreviver, tal como eu. Isto por vezes é difícil, mas também nunca me prometeram que era fácil. Há muito que passei a ser eu a minha heroína. Ao meu lado tenho já alguns mortos que vivem comigo. E algumas perguntas sem resposta. O tempo que vou tendo é já pouco, mas a musica e os livros continuam sempre por perto. E no meu mundo ainda existem muitos sonhos por estrear.
Sei que um dia vou parar de crescer. Encontrarei aí as respostas que ainda procuro?
quinta-feira, 5 de março de 2015
O que se diz a um amigo que está a morrer? Que tenha força? Que tenha fé?
Dizemos-lhe que, se pudéssemos, trocaríamos a nossa vida pela dele? Que a morte é um desperdício? Que o mundo vai ficar mais pequeno por ele ir embora?
Que nunca mais nada vai ser como dantes, como ainda agora, no tempo em que a presença dele é muito mais do que apenas uma lembrança?
Dizemos-lhe que ainda o sentimos aqui e que já morremos de saudades?
Conseguimos dizer-lhe tudo isto? Pensamos... mas não sai nenhum som da nossa boca.
O que é que contamos sobre um amigo que acabou de morrer?
Que tudo isto é uma grande injustiça. Uma merda, mesmo! Que não está certo ele partir tão cedo e deixar a mulher, os filhos, a família e os amigos mais pobres, mais tristes, infinitamente mas sozinhos...
Por duas vezes fomos colegas de trabalho em empresas diferentes, No entretanto, sofremos com as dores um do outro, eu com a tua doença, tu com o meu desemprego. Amigo é mesmo assim, pode não estar sempre, mas está lá. É assim que funciona isto.
Na semana passada, acabaste o telefonema a dizer-me que me ias mandar um pouco de calor para aquecer o frio de que me queixava. Hoje, meu amigo, o meu coração gelou ao ouvir a noticia da tua morte...
Hoje apetece-me escrever sobre o adeus. Sobre a despedida que acontece de todas as vezes que me venho embora e vos deixo para trás. Sobre o vazio que me enche a alma. Que me acompanha nesse dia e nos próximos e que se vai diluindo aos poucos à medida que o tempo passa. À medida que se aproxima o reencontro que dará, depois, origem a um outro adeus. Inevitavelmente. Porque é dentro deste figurino que estamos a viver. De todas as mudanças, esta é a que me custa mais, sem dúvida. A que me deixa sem chão, sem brilho nos olhos, sem calor nas mãos...
Faço a viagem de regresso a falar de nós, A maior parte das vezes, a fazê-lo para dentro de mim. A rever momentos que vivem na minha memória. A procurar cheiros e sons que estão lá dentro. A fechar os olhos e a vê-los como se um filme fosse.
Foi assim ontem, na viagem de regresso. E fiquei na dúvida se as gotas que molharam o vidro durante todo o percurso caíram do céu em forma de chuva ou dos meus olhos com o nome de lágrimas. Adoro-vos minhas filhas!
quarta-feira, 4 de março de 2015
Saudades dos pequenos almoços na casa da Avó. Do cheiro a café e torradas que subia pela escada e nos acordava. Das caixas de lata com os doces da Avó. Dos mimos. Dos bolos da Lina. Dos risos da Rita. Das birras da Inês.
Saudades das conversas sem pressa. E dos conselhos da Avó. De ouvir "a Rita ajuda" ou "a Inês faz".
Saudades de ouvir a mão da Avó a bater com o anel de brazão na mesa, quando era hora de ralhetes. E de as ver incrédulas a olhá-la e a rir logo a seguir.
Saudades das maças do sr Mário. O super-mário, como elas chamavam. De colher tangerinas das árvores do jardim e de as comer, umas atrás das outras. De as ver ir com a Lina pôr comida às galinhas. E recolher os ovos. E trazerem-nos para casa como quem transporta um cristal - "Mãe, mãe, olha o que eu tenho aqui!"
Saudades do espaço daquela casa. E dos cheiros que nos faziam sempre voltar. E das vozes. E da Avó.
Subscrever:
Mensagens (Atom)