Ela esteve aqui hoje a desabafar. Não era para falar dela que vinha, o que a trouxe cá foi um assunto de trabalho, mas bastou eu perguntar se estava tudo bem. Do nada começou a contar-me tudo, a falar dos filhos, do companheiro, da solidão que sente, dos sonhos que lhe estão ser cortados antes mesmo de os sonhar. Toda a vida viveu para os filhos, três ao todo, ficou viúva com o mais novo ainda dentro dela. Depois os dias foram acontecendo entre fraldas, biberões, termómetros e xaropes. Nunca teve muito tempo para abraços e caricias. Nem para contar historias na hora de os adormecer. Todo o tempo era pouco para a lida da casa, para a comida, para o tratamento da roupa. Nunca teve tempo para lágrimas ou desabafos. Os dias não eram bastantes para tratar dela, para sentir a solidão, para se olhar ao espelho. À volta ninguém estranhava, cada um vivia apressado dentro da sua própria vida e os olhos tristes dela nunca foram notados. Nem a família, nem os amigos, nem os vizinhos se questionavam porque motivo ela nunca sorria. Nem porque nunca a ouviam cantar. Os filhos cresciam, os dias passavam e ela desaprendia as canções da juventude e as gargalhadas. Porque quando nos desabituamos de sorrir é como se nunca o tivéssemos feito antes. Hoje vive com três adultos, de quem continua a cuidar. Já não lhes dá a comida na boca, mas continua a cozinhar para eles. Porque sempre foi assim. De há uns tempos para cá conheceu um homem que reparou nela. Que a olhou de forma diferente, que lhe perguntou porque nunca sorria. Devagar começou a ver-se ao espelho, a procurar arranjar-se, a cuidar de si. Aos poucos interiorizou que também ela tinha espaço para ser amada. Merecia isso. Ainda ia a tempo, ainda valia a pena. Um dia ele falou-lhe em serem a companhia um do outro e ela ficou sem saber o que dizer. Precisava de contar aos filhos, tinha a certeza que eles iam ficar felizes, que aprovariam a ideia. Achava que todos a queriam ver feliz. Mas não foi isso que encontrou. Os filhos, que sempre se habituaram a vê-la sozinha, entendiam que a mãe não precisava de ninguém e que nada devia mudar. Sempre foi assim, para quê fazer diferente? E ela viu-os como nunca os tinha visto. E ouviu e disse-lhes o que nem acreditava ser possível. E agora, está aqui à minha frente, com lágrimas nos olhos e revolta no coração, sem saber o que fazer, à espera de um milagre que mude o pensamento dos filhos ou, quem sabe, desejando nunca ter ousado ser feliz. Ouvi-a e questionei-a sobre o que ela quer para si. Sobre o futuro. Sobre o egoísmo encoberto dos filhos. Ela está perdida e dividida. E vazia. E, enquanto isso, a minha sala fica cheia com os desabafos dela e com a minha impotência em a poder ajudar... Quando ela sai, penso que a felicidade é um vicio que não devemos contrariar. E que a nossa vida tem mesmo de ser a coisa mais importante do mundo para nós.