segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Como será viver do outro lado do céu? 
Passar as horas, os dias, os meses a olhar de lá de cima, a querer tocar nos que deixámos aqui... e não conseguir que nos sintam. 
Vê-los a rir e querer fazer-lhes companhia nessa gargalhada.  Senti-los sozinhos e a sofrer, conseguir ler-lhes os pensamentos, adivinhar-lhes os medos, tentar abraçá-los e dar-lhes a mão... e não podermos ser vistos.
Chamá-los pelo nome, carinhosamente, dizer-lhes para não desesperarem, prometer-lhes que logo ali à frente vai melhorar tudo outra vez... e não conseguir que nos ouçam.
Como será viver para além dessa cortina invisível a que chamamos "morte"?  Isso é que é a outra vida de que tanto falam? 
Que outra vida? 
Sinto que quando chegar a minha hora irei morrer em cada momento que não puder ser ouvida, que a minha mão não consiga pousar no teu ombro, que o meu sorriso não esteja mais ao alcance do teu olhar.
Morrer é, de facto, deixar de ser visto.   Mas morrer é, sobretudo, deixar de ser lembrado por ti...

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Parada na passadeira à espera do sinal verde para os peões, reparei naquele rapaz do outro lado da rua.  Parecias tu há alguns anos atrás, naquela noite em que tiraste o teu casaco para o colocar nos meus ombros, vestindo o frio que fez de repente e me apanhou desprevenida.  Tínhamos ido tomar um café junto ao rio, naquele local que passou a ser um dos nossos e, no final, decidimos dar um passeio a pé antes de ir para o carro.  Estava uma noite fantástica mas fria e eu, com a minha mania de andar sempre de "corpinho bem feito", estremeci quando me senti na rua. Valeste tu e a tua atenção para me salvar e permitir, assim, que o nosso passeio não ficasse por acontecer.  
Lembro-me que nunca tínhamos dado as mãos antes dessa noite, nunca tinha sentido a tua mão forte a segurar a minha com a certeza de que seríamos para sempre companheiros ainda antes de sermos amantes.  Porque uma coisa não pode nunca ser sem a outra, senão não resulta e tu já sabias isso.  E resultou nos últimos dez (onze?) anos em que andámos de mão dada, em que tomaste conta da minha vida como se fosse tua, em que respeitaste os meus silêncios, o meu espaço e a minha necessidade de estar sozinha de vez em quando.  Ainda que isso te baralhasse as emoções e te causasse alguma insegurança.  Mas, percebias, eu estava há demasiado tempo por minha conta e risco para, assim de repente, passar a fazer parte de um par.  E eu aprendi a amar-te, também, por isso.
A vida ao teu lado foi como flutuar em cima de nuvens de algodão.  Alegria e paz eram as palavras que me vinham à mente, quando pensava em nós.  Tu, que não estavas habituado a tanta harmonia numa relação, valorizavas todos os dias as pequenas coisas que fazíamos em conjunto.  E eu gostava.
Davas a volta à cidade inteira só para me ver, só para me levares um chocolate.  E sorrias quando eu reclamava que não queria engordar.  Para ti eu era única, eu era todas, nunca mais amaste assim, tenho a certeza.
Esperavas por mim o tempo que fosse preciso, nada era mais importante que estarmos juntos. 
Falhaste quase todos os meus aniversários.  Era sempre complicado estares no meio de agosto em Lisboa e eu percebia isso.  
Estiveste ao meu lado nos momentos em que mais precisei.  Quando chorei sem parar no funeral da minha avó e em todos os dias seguintes.  Quando fiquei imóvel a olhar o tecto da UCI daquele hospital, entubada e ligada a máquinas e sem perceber como tinha ido ali parar.  Naqueles 12 dias, todas as manhãs e todas as noites tu ficavas ao meu lado até te pedirem para sair. 
Desde que te conheci, sempre que a vida me fez tropeçar e cair, era a tua mão que eu encontrava para segurar a minha. 
Depois disso houve intolerância, desencontros, reencontros, desamor mas essa parte eu já não guardei.

Porque é que acabou um amor assim?  Porque é que o tempo nos transformou em dois estranhos, nós que um dia íamos ficar juntos para a vida?  Acho que sei a resposta.  Porque nada é para a vida, nem a própria vida.  Só mesmo as memórias ficam para sempre connosco.  E eu faço questão de guardar apenas as que me fazem sorrir porque as outras, as que em tempos me partiram o coração, são agora inúteis e em vão.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Gosto de espelhos.  Gosto de os usar para me ver, uns dias mais que outros.  Nem imagino sequer a minha vida sem eles.  E quando me vejo ao espelho, não é só a minha imagem que lá vejo reflectida.  Também lá encontro tudo o mais que está ao meu redor e que me emoldura como a paisagem num quadro em que eu sou a figura principal.  Espelhos grandes, pequenos, espelhos de aumentar, espelhos côncavos ou convexos, em todos eu estou.  Ou a parte de mim que cabe neles.  
Mas os espelhos têm, como muitas outras coisas, duas faces.  Um lado espelhado que me mostra sempre como os meus olhos me vêem.  É o meu primeiro crítico.  Esteja com cara de sono, com ar feliz ou com olheiras e a precisar de maquilhagem, ninguém me vê como ele.  Mas e o outro lado?  O que será que existe do outro lado do espelho?  O meu negativo? As minhas costas?  O inverso da minha vida?  
Um dia vou tentar passar para dentro dele e ver o mundo com os olhos do lado de lá.  Perceber como fica a minha imagem por dentro, em que medida encaixo em mim mesma.  Será que posso?  Ou isso é entrar na intimidade do espelho?  Poderá ser invasão de propriedade?  Ou será que para lá do lado espelhado e que é os meus olhos, não existe nada?  Apenas uma superfície lisa, negra e inútil, como algumas almas que só vêem o óbvio, o que salta à vista.  Um dia vou entrar no espelho.  E ver o mundo com os olhos dele, dê por onde der.