quinta-feira, 31 de julho de 2014

Há dias que dou por mim a pensar como seria tudo se tu ainda cá estivesses.  Se não nos tivesses deixado para trás e partido para esse lugar a que chamamos céu.  Onde não tinhas nada para brincar nem nenhuma de nós as três para te fazer companhia.  Onde nem existiam piscinas, campos de relva, bolas ou brinquedos.  Onde só deviam estar anjos com asas e o menino Jesus, acredito eu.  Não sei porque quiseste ir para lá...
Há dias em que penso como seria se não tivesse sido assim.  Será que continuaríamos a partilhar o quarto?  E as brincadeiras?  Continuaria a carregar-te ao colo, de lado, apoiado na minha anca direita e a mordiscar-te os dedos da mão?  (tantas vezes o fiz que as minhas costelas desse lado nem se desenvolveram como as outras...) Continuaria a contar-te histórias antes de adormeceres e a mandar-te calar quando me queria concentrar na leitura do meu livro?  A sair contigo de mão dada?  A ver-te defender-me de cada vez que "elas" implicassem comigo?  Como quando cuspiram na caixa dos meus bonecos de papel e o Elvis Presley ficou todo esborratado e tu me disseste "não chores" e deitaste pela janela o boneco que elas mais gostavam?  Continuarias a fazer-me rir de cada vez que me visses triste ou preocupada? 
Ninguém mais o fez dessa forma, a partir daí.  Tu foste o primeiro amor que eu perdi.  O primeiro que me partiu o coração.  O único que eu dava tudo para ter de volta.Desde aí para cá, nunca mais te vimos soprar as velas ao som de "parabéns a você", nem te fizemos jantares de aniversário.  Mas eu sei que cada uma de nós, intimamente, te deseja que estejas feliz nesse céu onde ainda não chegámos. 
Há dias que acordo logo pela manhã com estes pensamentos.  Hoje é um desses dias. ♡

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Vou-te contar uma história.   A de uma menina que nunca tinha estado sozinha.  Não fisicamente, não é essa a solidão que refiro.  Esse estar sozinho, sem gente por perto, é um estado transversal a muitos de nós.  Numa ou noutra altura da vida encontramo-nos só connosco sem um ombro amigo por perto, pelo menos no horizonte que alcançamos com o olhar.  Esse estar sozinho, sem outra voz que não os nossos pensamentos, é a casa de muita gente. 
A solidão da menina desta história tem mais a ver com ela própria.  Com a insegurança que a acompanha agora, com o desconhecido, com o medo. Com a curiosidade, também.  E com a coragem que ela transmite aos outros, mas que ainda não encontrou para si.
Durante muito tempo essa menina julgou-se segura.  Não que fosse superior aos outros, nada disso, apenas sentia que flutuava acima do chão, que não era atingida por nada que a perturbasse.  E de facto não era.  As contrariedades que a vida de vez em quando lhe dava, embrulhava em algodão com o formato de nuvens que a ajudavam a manter-se acima do chão.  E a flutuar sem precisar de ter asas.  De todas as vezes que a tristeza apertava procurava a companhia de um livro, de uma música, a voz de um amigo.  E ficava bem outra vez.  Nada era mais importante que a harmonia na sua vida.  Mais do que o ar que respirava.  
Até um dia em que tudo aconteceu ao contrário.   O sol amanheceu do lado do poente.  Ela não sabe porquê mas saiu pelo outro lado da cama.  E o seu mundo ficou, de repente, virado de pernas para o ar...

sábado, 26 de julho de 2014

Hoje o tema é a alegria.  Não aquela alegria que nos faz rir até quase sufocarmos.  Nem a outra a que, só por si, consegue esfumar a tristeza e a amargura das coisas num piscar de olhos.  Mas antes esta, a alegria serena que está no saber apreciar a vida todos os dias, ainda que chova, ainda que faça frio, ainda que saiba a pouco.   A alegria que está na conquista das coisas, uma a uma, no percurso que é feito até lá chegar.  Não apenas no resultado final. 
Sei que é o caminho que percorremos que nos deixa alegres ou nem por isso, sei também que nem sempre é fácil, umas vezes a estrada é longa e sinuosa, outras vezes o perigo espreita ao virar de uma esquina.   Descobri que é urgente estarmos atentos porque o tempo escasseia e poucos, muito poucos, conseguem corrigir a rota e começar de novo.  E eu, que tenho tido esse privilégio no meu caminho, sei bem o que isso é.  O começar de novo.  Porque de todas as vezes que tive que mudar de rota, consegui que a alegria suplantasse a tristeza e o desalento e parti para a nova etapa da viagem com a cabeça limpa.  E o coração aberto.  Tantas vezes aconteceu.  Mesmo quando quase estive do outro lado da vida e me foi permitido regressar, o que ficou de toda essa experiência foi uma imensa alegria.  E uma profunda gratidão por mais uma oportunidade.
Esta forma de alegria, serena e leve, até pode quase passar despercebida.  Ou ser desinteressante para algumas pessoas, que preferem o lado extasiante da gargalhada à discrição do sorriso.  Eu prefiro este último, sem dúvida.
Qualquer uma das outras formas pode ser intensa e arrebatadora, mas corre o risco de ser efémera, durar não mais que um momento.  Enquanto que esta alegria é adulta e consciente, vive connosco, cria raízes e, quando nos apercebemos, toma conta dos nossos dias e faz-nos sentir que tudo isto vale mesmo a pena...

quinta-feira, 24 de julho de 2014

O amor.
Poucos temas me dão mais prazer escrever do que dissertar sobre o amor.  Sobre as diferentes formas de amor.  O amor-próprio, o filial, o fraterno, o amor amigo, o amor saudade.  Também o amor paixão, egoísta.  Ainda o amor altruísta, desinteressado e generoso, aquele que não espera por receber para se dar.  
Todos os amores têm a sua história, apesar de na maior parte das vezes não nos darmos conta do seu início.  Alguns são fortes e seguros como uma âncora.  Estão sempre ali, de pedra e cal, aconteça o que acontecer.  Nada os ameaça, nada põe em causa a sua existência.  São tão reais que quase têm corpo e ocupam um espaço importante na nossa vida.  O mais importante de todos, diria mesmo.  Na minha vida tenho amores destes, que sortuda sou!  Estão presentes em todos os meus momentos, com eles partilho a vida, as alegrias, as lágrimas, os sorrisos.  Sei que estão sempre lá para mim, da mesma forma como eles contam comigo incondicionalmente.  Não é preciso - nunca foi preciso! - dizermos isso uns aos outros.  Está implícito desde sempre, faz parte de nós como a nossa pele ou o nosso coração.  Estes amores são os que acordam connosco pela manhã e nos acompanham dia fora, até à hora de nos deitarmos para sonhar de novo com eles.  Não nos saem de dentro.
Outros amores são mais interesseiros.  Existem desde que se justifique estarem lá.  São os amores que chegam de repente, que nos iludem o coração e a vida e que nos fazem acreditar que são para sempre.  E nós, que até sabemos que nada é para sempre, acreditamos e deixamo-nos ir.  Para esses não há morte que os separe porque se dizem eternos.  Até um dia, em que acordam de manhã e descobrem que não nos amam mais (ou nós a eles, também acontece...).  E esses, quando vão, deixam atrás de si sentimentos que ficam para sempre "até que a morte nos separe".  São os amores que nos prometem o paraíso mas que acabam por nos partir o coração.  Ou nós a eles.  Por mim, que já colei o coração uma vez, parece-me que não fiquei vacinada...
Para nossa sorte existem os amores amigos.  Li algures que "a amizade é o amor a quem faltam as asas" e não concordo.  A amizade é um amor com asas que servem para nos abraçar e nos proteger sempre que precisamos de colo.  Essa é uma das funções dos amigos.  Estar quando é preciso, saber ultrapassar a distância, saber colmatar as ausências.  No meu caminho também tenho tido alguns destes amores.  E sinto-me abençoada, por isso.
Há um outro amor, o que vive da saudade.  Do que foi, do que ainda permanece em nós, o amor que flutua ao nosso lado sem o conseguirmos abraçar.  É o que vive de memórias, de objectos, de cheiros.  Que renasce nos momentos mais improváveis, como quem nos diz "ainda aqui estou!", mesmo quando nos esquecemos de o lembrar por uns tempos.  É o amor doce que deixou para trás o menos bom, que carrega com ele apenas a melhor parte.  Que nos conforta com a sua lembrança.  Que nos serve de abrigo quando sentimos tristeza e solidão.  Alguns desses amores já não estão entre nós, habitam num plano um pouco mais acima.   Outros já não vivem na nossa vida, apesar de se cruzarem connosco na rua, de vez em quando.  Alguns destes amores também são meus.  Estão sempre comigo, ainda que eu não os veja.  Mas sinto-os ao meu lado quando caminho sozinha, tantas vezes...
Por último existe o amor ao próximo.  Altruísta.  Totalmente desprovido de interesse ou de exigência.   É um amor que se dá, apenas porque sim.  Seja o outro o que for, seja o outro quem for.  Pratiquei-o semanalmente durante 3 anos, deixava lá um pouco de mim, trazia tanto de volta.  É o amor disponível e descomplexado, é o amor que nos deixa com a alma cheia.  É o amor que nunca nos desilude, porque não nos chegámos nunca a iludir...

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Entrou na estação dos correios e dirigiu-se à máquina para tirar a senha.  Era hora de almoço.  À sua frente estavam mais de quinze pessoas que, também como ela, aguardavam a sua vez.  Ao entrar sentiu-se observada dos pés à cabeça.  Os primeiros momentos são sempre assim, já está habituada, depois, lentamente, volta cada um à sua vida, aos seus pensamentos e ela pode, finalmente, sentir-se aliviada.  É um efeito que não lhe agrada.  Nunca lhe agradou.  Dar nas vistas, como se costuma dizer na gíria, nunca lhe provocou  satisfação ou vaidade, pelo contrário às vezes até até a deixa desconfortável.  Mas é inevitável.  Pela elegância, pela altura, pela cor do cabelo, vá-se lá saber... os primeiros momentos são sempre dela sem que ela os tenha pedido.  E, quando isso acontece, na maior parte das vezes, até fica sem saber muito bem o que fazer com tantos olhares.  Hoje foi assim, uma vez mais. Aos poucos, os outros foram retomando as conversas que tinham ficado suspensas e só aqueles olhos ficaram colados nela como se houvesse um íman virtual.  Será que a achou parecida com alguém que conhece?  Será que a conhece?  Que a quer guardar na memória para a recordar depois?  Apetece-lhe perguntar-lhe porque a olha assim tão fixamente.  Quase que o faz.  E no íntimo já imagina ouvir a justificação dele "recordou-me uma antiga namorada que nunca consegui esquecer" ou "quando a vi entrar, pensei que tinha recuado no tempo e que estava a ver a minha irmã"... ou outro qualquer motivo bom.  E ela sorriria e ficaria por ali a conversa.  Mas não, não chegou a questioná-lo e também não ouviu a resposta dele.  Naquele momento, já outra coisa tinha chamado a sua atenção.  Os pensamentos e as conversas em voz baixa foram abafados pelo som estridente do alarme, accionado pela carteira de uma rapariga que saía.    Nada de preocupante, uma chave com código ou um telemóvel tinham provocado aquele desassossego.  Nada mais.  A rapariga lá foi à sua vida, depois de se ter justificado à funcionária e, de repente, como se tivessem pressa, todos tinham uma história idêntica para contar, desde a carteira que fazia tocar os alarmes das lojas porque trazia dentro o código, à chave do carro que era especial e que também provocava esse efeito, ao telemóvel que tinha sempre que ser desligado antes de entrar porque dava vida aos sensores.  De repente, todos eram iguais nas experiências de vida que agora partilhavam.  Ela também sentiu que tinha essa característica, só que não comentou com ninguém.  Sempre que entrava num local, os sensores que accionava não eram os do alarme, mas sim dos pares de olhos que se viravam na sua direcção sem que o pudesse evitar.  E sorriu para dentro, para si mesma, com a comparação que acabara de encontrar...

sexta-feira, 18 de julho de 2014

De vez em quando viajo.  Fixo os meus olhos num ponto e, quando me dou conta,  já estou muito para além dele.  Nas mãos não levo bagagem.  E ao voltar, continuo a tê-las como agora, vazias.  Na cabeça, pelo contrário, albergo todos os lugares do mundo.  Os que conheço, onde vivi, os que ficaram dentro de mim, alguns onde só estive enquanto folheava as páginas de uma revista. 
Às vezes viajo.  Para lugares onde não existem palavras nem números.  Apenas música.  E cores, muitas cores.  E onde o arco-iris é todo em tons de azul.
Por vezes saio do meu corpo e fico lá em cima, a flutuar.  É bom.  E viciante.  E o pior de tudo é quando acontece não me apetecer voltar para dentro dele...

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Há dias que acordo assim.  Que os pensamentos se atropelam na minha cabeça como se quisessem fugir de mim.  Chegam em série, sem qualquer ordem, e eu tento fixar-me neles e não consigo.  Porque ainda não acabei de dar as boas-vindas a um e já outro está a chegar para me ocupar a cabeça.  Para me fazer esquecer o anterior, que assim fica sem ser pensado.  É complicado.  E cansativo.
Nestes dias, não consigo deter-me por inteiro num pensamento.  Chamar-lhe meu, adoptá-lo, dar-lhe um nome e uma casa.  E eles ficam incompletos, entrelaçados entre si, tornam-se inúteis.   E nem chegam a ser importantes porque, às tantas, o esforço que eu faço para os reter ocupa mais a minha atenção do que o próprio pensamento em si. 
São os dias em que eu tento que a minha mente seja menos hiperactiva e pare de respirar.  Ou de viver, se viver for pensar. 
E tu?  Qual é o espaço que dás entre cada um dos teus pensamentos?  Consegues agarrá-lo no início, um de cada vez, acompanhá-lo por inteiro e, no final, deixá-lo ir embora na sua missão?  Eu, às vezes, até consigo fazer isso.  Mas hoje não.  Hoje não é o dia...

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Quando sei que és o resto da minha vida?  De todas as vezes que observo com os meus olhos o teu sono tranquilo. Quando o coração me sai do peito e fica colado ao tecto a olhar-te, deitado na cama, depois do amor.  Quando me fixas nos olhos e me dizes o que eu ouço. Quando me acaricias. Quando encontro nas tuas mensagens o amor que me dás.  Quando te leio os pensamentos.  Quando me fazes rir.  Quando me telefonas só para ouvir a minha voz. Quando nos separamos de manhã a pensar no reencontro.  Quando te espero.  Quando corres para mim.  
Para toda a vida, sim.  Porque tenho a certeza que se em algum momento esta realidade for alterada,  o que vier depois já não será vida.  O que acontecer depois será apenas aguentar um dia de cada vez.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Para que serve a morte se não para nos lembrar a vida? 
Para que serve a tristeza se não para valorizarmos a alegria?
E a dor se não para enaltecermos o bem-estar?
Para que serve a doença se não para cuidarmos da saúde?
De que serve o ódio se não vivermos o amor?
Para que serve a indiferença se não para sermos disponíveis?
E o acidente se não apreciarmos a harmonia? 
De que nos serve o ócio se não sentirmos o cansaço do trabalho?
Ou... ?
De que serve a vida se não respeitarmos a morte?
E a saúde se não recearmos a doença?
E a felicidade se não deixarmos de lado a tristeza?
Ou o prazer se não abafarmos o sofrimento?
E a harmonia se não evitarmos o acidente?
Para quê a segunda-feira se não agradecermos o domingo?
De que serve o amor se o sufocarmos com o ressentimento?
E a amizade se não conhecermos a solidão?
Para que nos serve a luz se não tivermos já estado na escuridão?

terça-feira, 1 de julho de 2014

Quando me envolves no teu abraço é como se entre mim e ti houvesse apenas nós.  Os teus braços, fortes, prendem o meu corpo com a firmeza com que seguram a vida.  A minha vida.  Para que ela não volte nunca mais a ir embora.  Para que o tempo que existiu entre aquele abraço de outrora e este de hoje, fique onde deve estar.  No passado, no nunca mais.  E eu deixo-me ficar dentro deles como se fossem um agasalho que me aquece e conforta.  Que me fica bem. E que não vou querer deixar nunca mais.
O teu abraço.  O nosso abraço.  Dentro dele cabe o mundo inteiro.  O que eu tenho, o que eu encontro, por vezes o que eu reencontro.  Nada é mais profundo que esse abraço.  Que me reconforta e acalma, que me faz sorrir, que me lava a alma.  Dentro dele cabem todas as cores que tem o arco-íris.  Dentro dele e por causa ele, todos os pensamentos fazem sentido, todas as palavras rimam.  
Já tive muitos outros abraços em outros dias.  Que me seguravam com firmeza, que me apertavam com sofreguidão, que não me queriam deixar ir.  Todos eles tiveram o seu tempo, a sua história.  De todos eles guardo memórias, de alguns guardo saudades.  Em todos eu vivi durante algum tempo.  E todos fizeram parte do caminho que me trouxe até aqui.  Ao teu abraço.  À casa onde eu moro.  Ao lugar onde acordo todas as manhãs.