quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Há pessoas que nos marcam para sempre.  Não importa o tempo que com elas convivemos, não é preciso termos memórias de todos os dias, de todos os anos, nem terem feito parte da nossa vida desde sempre.  Há pessoas que apenas passam por nós e ficam.  Porque nos tocam tão fundo e tão intensamente que nunca mais conseguimos deixá-las ir.  Porque as conhecemos e as escolhemos para nos acompanharem no nosso percurso que o seu lugar nunca mais é ocupado por ninguém, ainda que já se tenham ido embora.  Ainda que deixemos de as ver com os olhos.  Porque continuamos a "vê-las" de todas as vezes que pensamos nelas, tenho a certeza.  
Tenho tido, na minha vida, algumas pessoas assim.  A quem fico ligada só por ficar.  Só pelo imenso carinho que me deram.  Só por ter ainda a sua voz nos meus ouvidos, quando era hora de contar histórias, de dar conselhos, de ouvir desabafos.  Só por me terem recebido na sua vida.  A quem fico grata por aquilo que me ensinaram.  Por terem partilhado comigo emoções e afectos.  Por terem sorrido quando me viam.  Por me chamarem carinhosamente "gracinha".  Por tantas outras coisas mais, seguramente...
Há pessoas a quem já não posso ligar nunca mais a desejar um feliz aniversario pelo dia de hoje. Pai Anselmo, tia Isabel Videira, acordei convosco no pensamento e fiquei triste por isso.  Mas logo percebi que não devia ser esse o sentimento certo para começar o meu dia - e sim, a gratidão consciente de termos podido estar na vida uns dos outros ao mesmo tempo!  E aí, o meu beijo de parabéns foi igualmente conseguido.
24fev14
Há dias que são importantes. Porque sim. Porque fazemos anos, porque vamos viajar, porque temos uma prova ou uma consulta médica especial.  Ou então porque acabámos de ler aquele livro que nos acompanhou nos últimos tempos e cujo fim vamos adiando, inconscientemente, como quando se quer prolongar no tempo os últimos momentos.  Como se receássemos que o simples gesto de voltar a página fizesse acabar toda a magia.  E apesar de já sabermos como ia terminar,  E apesar de já ter mesmo terminado.
Hoje foi um desses dias especiais.  Pela primeira vez, doze anos depois, decidi não te felicitar pelo teu aniversario.  Nao que me tivesse esquecido (como se isso fosse possível!) mas porque achei que era já tempo de te posicionar no lugar a que tu próprio te remeteste.  E que eu, por distração, nao me tinha apercebido.  Ou por teimosia.  Por querer manter-te vivo nos meus dias, quando tu já me tinhas morto.  E à nossa história.  Porque te é mais fácil recordar-me pensando que estou morta.  Porque adoptaste a viuvez que te foi imposta pelo destino para todos os outros desencontros que encontraste na vida.  Foi assim que me esqueceste, quando te pedi para desistires de nós.  Foi assim que conseguiste perdoar eu ter chegado ao final antes de ti.  Antes de teres dado conta que a nossa história já tinha terminado.
Doze anos depois eu decidi virar a tal página.  E chegar ao fim deste livro que me encantou, me acompanhou, me desiludiu também, mas que gostei de ter lido do principio ao fim.  E que agora deixo arrumado na estante, ao lado de alguns outros livros que também fizeram parte desta história que vivo todos os dias.  Que celebro todos os dias.  E cujo final nao quero que chegue!

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Quando eu te beijo com os meus lábios, esqueço-me de tudo o mais e só me lembro de te saborear devagarinho, como quem descobriu agora que tem o resto da vida para o fazer. Quando encosto os meus lábios aos teus é como se lhes desse um motivo para existirem. Porque até esse momento eles só existiam para sorrir com a tua lembrança. Ou para se moverem ao pronunciar o teu nome. Ou, ainda, para serem mordidos pelos teus, de cada vez que me beijas com sofreguidão. Fora isso, são apenas os meus lábios. 
Quando eu te abraço com os meus braços é como se todo o mundo ficasse entre nós. Não existe mais nada, não há espaço para mais. O teu corpo, maior que o meu, fica pequeno e indefeso dentro do meu abraço. Para isso eu sei que eles servem. Fora isso, são apenas os meus braços.
Quando te vejo com os meus olhos, tudo à volta fica doce e colorido. Eles olham para ti e vêem o mundo inteiro. Eles olham para o mundo e só o vêem porque tu lá moras. Quanto ao mais, são apenas os meus olhos.
Quando te amo com o meu corpo e com o meu coração é o universo inteiro que está dentro do meu amor. A partir dele e por causa dele, sentir-te-ás em casa onde quer que estejas. E tudo o mais é apenas um coração que é meu, é teu, é nosso...

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Sentada à mesa, na esplanada do centro comercial, ela jantava calma e pensativa.  Não tinha pressa, tinha andado a correr todo o dia, agora era tempo de apreciar o jantar, pensar na vida e nas mudanças que ainda havia a fazer, reflectir sobre o que ficou lá atrás, arrumar tudo o que a acompanhou...
Desta vez, ela quer fazer tudo com calma para que nada seja atropelado.  Desta vez ela quer pôr em dia os dias que ficaram por viver, para que nunca sinta que este passo foi mal calculado.  
Toda a vida correu para não chegar atrasada.  Para que os acontecimentos não a ultrapassassem, que a vida não  espera por ninguém, nem mesmo por quem, como ela, a transportou sozinha às costas.  Toda a vida acompanhou o ritmo que lhe foi imposto, nem sempre o que lhe apetecia, mas aquele que tinha que ser.  A responsabilidade das opções que fez teve um peso que, muitas vezes, foi demasiado para os seus ombros.  Desistir teria sido fácil, teria sido simples.  Errado, também, porque desistir seria igual a falhar e ela não queria isso para si.  Tudo menos falhar, ainda que a vida tivesse que ser vivida depressa, de um lado para o outro, na ânsia de não faltar a nenhum compromisso, a nenhuma obrigação.  Teve a companhia da teimosia e do orgulho, aqueles defeitos que às vezes se transformam em qualidades e nos ajudam a seguir caminhando.  Teve a alegria, imensa, de agora poder olhar para trás e pensar que valeu a pena a corrida, o cansaço, a solidão.  Muitas vezes se sentiu sozinha nas decisões, muitas vezes teve dúvidas, mas nunca teve muito tempo para pensar.
Agora é diferente.  Tem a noção que esta foi a opção mais consciente de toda a sua vida.  No meio do turbilhão de acontecimentos dos últimos tempos, ela pensou com o coração,  um pouco com a cabeça também, e nem olhou para trás.  Uma coisa ela sabia, acompanhá-lo-ia até ao fim do mundo, se fosse preciso.  E é o que está a fazer todos os dias desde então.  Mas desta vez com calma, sem correrias, sem atropelos, com a serenidade que a idade e a vida lhe ensinaram.  Porque a melhor parte dos erros é o ensinamento que transmitem.  E ela aprendeu.
Agora a vida é para saborear com calma.  Com intensidade, com harmonia. Sem correrias, sem pressas, promete a si mesma, correr mais para quê...?  E não consegue deixar de sorrir ao ler a mensagem que acaba de receber no seu telemóvel, escrita por ele há uns segundos, a milhares de quilómetros de distância - "Estou a ir para o aeroporto. Amo-te tanto. É bom correr para ti..."

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Era uma vez uma história.  Daquelas onde apetece entrar e ficar lá dentro para sempre.  Das que apetece atrasar o final, segurar o tempo com as mãos e não o deixar passar.  
Ela viveu uma história assim.  Foi protagonista daquilo a que chamam uma "love story" - a sua história de amor.  Conheceu-o aos quinze anos, num tempo em que não era permitido à maior parte das mulheres fazer escolhas, numa altura em que qualquer passo mal dado poderia comprometer-lhe irremediavelmente o futuro.  Desde o início, ela soube logo que era com ele que ia querer fazer o resto do caminho.  Que ia querer viver o resto da vida.  Ou então ficaria sozinha para sempre.  Antes mesmo de saber que ele queria o mesmo.  Conheceram-se e isso foi o suficiente para deixar para trás a esperança dos poucos rapazes com quem tinha convivido até ali.  Até mesmo do filho daquele amigo do pai que já se imaginava casado com ela.  A atração foi mútua como se um íman os aproximasse, como se não houvesse mais vida se não estivessem juntos.  O mundo parava quando se separavam e só retomava o ritmo quando se voltavam a ver.  Depois de alguns anos de espera, que lhes pareceram intermináveis, conseguiram finalmente casar e perceber que mais do que viver juntos, eles queriam ser juntos.  Passaram a ser um só, misturaram os dias, as vidas, os projectos, o futuro.  Passaram a ser a vida um do outro e, nem mesmo a noticia de que não poderiam ter filhos, fez vacilar aquela união.   Eram o exemplo para todos os demais, vivam a história que os outros queriam ter tido para si próprios.  E que durou cinquenta anos, até ontem.  Ou melhor, eles continuam juntos na sua história porque, depois do acidente que os vitimou, há quem diga que foram encontrados de mãos dadas.  E que sorriam... Mas isso acredito que seja exagero de quem conta a história.
Há historias que valem a pena.  Que queremos para nós.  E que nos fazem querer esquecer como se pronuncia a palavra "fim"!

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Tu sabes, eu não ando sozinha.  Mesmo quando marco um quarto de hotel só para mim e na sala de pequeno-almoço encontro casais cúmplices e carinhosos, eu não me sinto só.  Mesmo quando me sento sozinha numa mesa de restaurante e me observam de outras mesas, sei que tu estás lá ao meu lado.  Ainda quando faço viagens sozinha, acompanhada pelos quilómetros que deixo para trás, ouço-te respirar ao meu lado e sinto-te ali.  Estiveste recentemente comigo em Braga, nos mesmos lugares onde fomos  antes, hoje fizeste-me companhia na viagem, contaste-me outra vez as histórias que ainda não esqueci.  Hoje vivo na cidade que te viu nascer há mais de cem anos e que tu nunca chegaste a conhecer.  Mas que ias adorar, tenho a certeza, apesar de ser longe do mar.
Vai fazer oito anos que deixei de te ver, quando tenho os olhos abertos.  De ouvir a tua voz responder-me, quando me dirijo a ti em pensamento.  De ler a tua letra a saudar-me, como sempre, de cada vez que escrevias "minha querida neta"...
Durante todo este tempo muita coisa mudou nas nossas vidas.  Somos os mesmos, mas diferentes, como se a tua ida tivesse produzido uma revolução nas ideias e nos sentimentos.  Os dias continuam a suceder-se às noites, as semanas passam e quando damos conta já estamos no mês seguinte, no ano seguinte.  Tudo diferente.  Só a tua falta é que é sempre igual.
Ainda gostava de te ouvir, de saber a tua opinião, de responder às tuas perguntas.  Ainda gostava de te confidenciar os meus planos.  De te contar sobre os meus receios e medos.  Ainda conto contigo para te falar do futuro que eu desenho para mim, com sonhos inteiros dentro dele.
Morrer é apenas deixar de ser visto, digo sempre isto para mim quando penso em ti.  Mas é também deixar de ser tocado, deixar de ser ouvido, deixar de ser abraçado.  Morrer não serve para nada mesmo, a não ser para nos fazer sentir que tudo isto é um vazio enorme e que, no final, ficamos assim, despidos, desprotegidos, sem chão.  Como aquele esqueleto de árvore que abana com o vento, lá fora, sem folhas, sem alma, com frio...

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A vida é uma infindável espera.  Esperamos para nascer ao mesmo tempo que a nossa família espera para nos ter nos braços.  Esperamos para crescer e largar as fraldas ao mesmo tempo que os pais esperam que aprendamos a usar o bacio e a ser independentes.  Esperamos ir para a escola e fazer amigos ao mesmo tempo que os pais esperam  que estudemos para passar de ano. Esperamos acabar o liceu e ingressar na faculdade enquanto os pais esperam ver-nos formados e respeitados por isso.  Esperamos arranjar um trabalho que nos realize,  que nem sempre espera por nós.   Esperamos encontrar  um amor que nos ame e  que faça valer a pena essa espera.  Esperamos ter saúde, ser felizes, ter trabalho, ter uma família.  E um dia, quando menos esperamos, esperamos apertar nos nossos braços alguém que espera para nascer.  A vida é uma interminável espera.  Que por vezes nos desespera... ♡

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A tristeza é contagiante?  Pega-se através do toque ou de um beijo?  Passa de mim para ti assim como se fosse uma gripe ou uma doença de pele?  Ficas então também triste por eu o estar?  Por solidariedade?  Por companheirismo?  Por competição?  Para ver quem fica triste de uma forma mais intensa?  Mais credível?  Mais convicta?  Ou ficas triste na minha vez?  Tomas o meu lugar na fila da tristeza e deixas-me ir no meu caminho em busca da alegria?  E, quando isso acontece, é feito de uma forma desinteressada e generosa ou, pelo contrário, vais cobrar mais tarde, exigir algo em troca depois?  Terás força e ânimo para suportar a tristeza em vez de mim, até ao fim, mesmo se eu já não estiver ao teu lado?  Quem me garante que não vais desistir ou mudar de ideias?  Ou passar a minha tristeza a outro que a aceite na tua vez?  Sim, eu não quero ser o ponto de partida de uma epidemia de tristeza que poderá ter efeitos devastadores.  Prefiro antes contagiar-te com alegria, se te parecer bem.  Assim, quando te fartares e a quiseres passar a outro, o risco de uma overdose colectiva é bem menos grave e o resultado muito mais risonho.   
E o amor, o amor é também assim contagiante?  Se eu passar perto de ti, suficientemente perto para te tocar ao de leve como num sopro, ficas contagiado pelo amor ou ficas apaixonado por mim?  E, caso fiques, é para sempre ou cura-se em 3 dias, como as viroses?  No caso do amor é habitual aparecer de súbito, vindo não se sabe de onde, sem tratamento ou cura descoberta e pronto a acabar connosco. 
Em alguns casos a cura até é rápida e ficas pronto para  seguir a tua vida sem deixar qualquer vestígio.  Noutros casos, até que fiques curado, tens um longo caminho a percorrer e, muitas vezes, há danos irreversíveis que te acompanharão para sempre.  No meu caso tornou-se um vício e já me tomou todos os órgãos vitais.  E a cura, se é que existe, pode ficar arrumada num frasco de laboratório até que o próprio amor seja contagiado irremediavelmente pela morte.  Ou, seja, pode ficar para sempre lá, porque nem eu nem ele a desejamos conhecer.  ♡

domingo, 2 de fevereiro de 2014


Só por hoje sabe-me bem acordar ao teu lado e ver o sol nascer. 
Só por hoje saúdo o meu dia (e o teu) e desejo que seja tranquilo até à noite, quando for de novo hora do reencontro.
Só por hoje deixo dentro dos lençóis o teu abraço (até mais logo) e deslizo devagar até ser acordada pela água quente do banho.
Só por hoje não deixo que nada me perturbe e nem as nuvens escuras que prometem chuva alterarão esse propósito.
Só por hoje faço o caminho diário ao teu lado, dentro da tua mão.
Só por hoje sorrio ao receber as tuas mensagens como se fossem abraços apertados.
Só por hoje fico feliz quando ouço as vozes delas a dar-me os bons-dias.
Só por hoje desejo que o dia lhes traga sonhos inteiros que caibam dentro dele.
Só por hoje seguro as lágrimas e deixo a palavra saudade rimar com coragem.
Só por hoje não quero que a solidão me faça companhia, ainda que  me encontre sozinha.
Só por hoje (e por todos os outros dias) quero tudo...
Porque o ontem já não existe e  amanhã será só por hoje, uma outra vez.
Na sala a lareira acesa aquecia as conversas e o ambiente.  Sentada no sofá, observava o crepitar das chamas e sentia-me em casa.  Como sempre acontece, a visão do fogo produz em mim um efeito quase mágico.  Era a primeira vez que os visitava.  Tinhamos estado a jantar juntos, num restaurante, para comemorar o meu recente emprego e a minha vinda para esta cidade.  Quando os deixei em casa não resisti ao convite para entrar e acabar as conversas que estavam a meio.  Falámos da casa, que era fantástica, do cão de guarda que dormia no jardim e nem deu por nós, dos netos que enchiam os espaços com brincadeiras em outros dias.  Falámos de afectos, de memórias, de saudades.  Sobretudo da saudade que hoje sentem dos filhos e netos que vivem longe  e que só vêem de vez em quando.  Têm de manter vivas as recordações, disse-lhes eu, é o truque que uso quando a saudade aperta.  Só assim consigo enganar a distância, iludir a falta.  E de repente, como que a comprovar isso mesmo, a sala ficou cheia de risos infantis.  Pela minha frente passaram duas crianças a correr, ao mesno tempo que uma outra mais velha, sentada ao meu lado no sofá, lia uma história em voz alta.  Chamava-se "a princesa e a ervilha", também a conheci de um outro tempo e a contei às minhas filhas.  E isso fez-me sorrir.  Naquela noite, naquele espaço, estiveram juntas muitas infâncias.  Os netos e os filhos daquele casal, as minhas próprias filhas, eu mesma.  Rimos e cantarolámos em conjunto, jogámos à macaca e à apanhada e, no final, sentámo-nos no chão, em roda, a ouvir a história da princesa que provou que o era graças a uma prquena ervilha.  Naquela noite, naquela sala aquecida pela lareira, a saudade ficou de lado e os afectos ocuparam todo o espaço.  As vidas, várias, que estiveram comigo ali eram tão reais que quase lhes conseguia tocar.  E eu sorri com esse pensamento.  É o truque que uso para afastar a tristeza, iludir a distância e adiar a saudade.