quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Há verbos que eu não conjugo.   Que não quero conjugar.  Porque não fazem parte do meu vocabulário, do meu quotidiano.  Que não uso porque não os quero para mim.  Passo por eles e nem quero saber da sua existência.  Desses verbos fazem parte morrer, mentir, magoar, trair, desistir.  Enganar, também.  E chorar, claro.
Há verbos que nem precisavam de existir.  A minha vida passava muito bem sem eles.  A do resto do mundo também, acredito.  A não ser que pudéssemos usar apenas o seu inverso.  Ainda assim, prefiro que não existam.  Porque pensar no seu inverso é estar sempre a passar por eles.
Há outros verbos que deveriam de ser usados mais.  Abusados, mesmo.  Viver, sorrir, construir, partilhar.  Ajudar, ainda.  E amar, sempre.  Fazem falta na vida do resto do mundo.  E na minha, também.  Como a pontuação numa frase.  Sem eles, todo o sentido fica sem sentido.  Sem eles, os dias ficam imensamente vazios.  Inúteis, mesmo.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

O amor

Tenho saudades tuas.  Do teu amor.  De acordar ao teu lado.  De me dares os bons dias.  De te ouvir, de me ouvir, de me beijares antes do pequeno-almoço.  
De ser abraçada por ti quando me deixas à porta do trabalho, num abraço que dura o dia inteiro.  E de voltar para casa no final do dia, sabendo que nos temos um para o outro outra vez.
Tu és o meu vício, eu já percebi.  É ainda muito pouco tempo, eu sei, mas é tão intenso que até me parece que durou desde sempre, que foi assim a vida inteira.  O amor não se mede nem se compara, é como a dor ou a  saudade.  Existe só por ser.  Ou então não vale a pena falar dele. 
Aos poucos deixámos de ser apenas um, passámos a ser nós.  E sem nos darmos conta, fomos ficando entrelaçados, tanto que eu já quase nem me lembro de como éramos antes disto.  De repente tu ocupaste todos os lugares vagos, o do amor, o do irmão, o do amigo, o do confidente, tu passaste a ser tudo para mim...  e agora, só eu sei o quanto já não sei ser sem ti...

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Posso até ter perdido a beleza com o passar dos anos ou ter ganho algumas rugas e muitos mais cabelos brancos do que gostaria.  Posso não conseguir vestir mais aquele vestido que tanto gostava por o achar demasiado curto.  Posso precisar de fazer um esforço para ver ao perto quando acabo de acordar e os meus olhos ainda despertam lentamente.  Posso já não ter paciência para música aos berros ou para gente burra.  Estas são algumas das características que vou ganhando com a idade.  Todas aceito, de forma mais ou menos pacifica, mais ou menos conformada.  Todas elas eu consigo remediar ou relativizar, pintando o cabelo, disfarçando as rugas com uma maquilhagem suave, ou trocando o vestido curto por uma saia mais comprida.  Sem qualquer problema.  Com a idade aprendi que a melhor forma de envelhecer é aceitar a passagem do tempo de uma forma harmoniosa.  Não ganho nada em o contrariar, só me tornaria uma pessoa mais ansiosa e desgastada.  Aceito que tudo isto tem um propósito, que nada acontece por acaso.  Envelhecer não é deixar de me sentir jovem nas minhas opções de vida, na forma como as concretizo no meu dia-a-dia, como as transmito aos demais.  Envelhecer é mais deixar as memórias de lado e viver apenas hoje e para hoje.  Acredito que o tempo é o que fazemos dele, não o que deixamos que ele faça de nós.  E usar as memórias, as boas e as menos boas, poder tê-las connosco, é um privilégio que não vou querer perder.  Posso até precisar de óculos para ver ao perto, dentro de pouco tempo, ou ter de baixar o volume do rádio por estar demasiado elevado, mas quero que a minha memória continue sempre como até aqui, inteira e lúcida.  Nesse campo eu não vou querer envelhecer nunca.  Só assim poderei guardar a tua voz a chamar o meu nome, os olhos dele quando me via, os sorrisos delas quando era hora do reencontro.  Só assim poderei continuar a recordar aquela noite à beira Tejo em que meteste o meu frio dentro do teu casaco.  Ou a outra, algum tempo depois, em que me seguraste a mão e me perguntaste se eu aceitava fazer o resto do caminho ao teu lado.  Estes e tantos outros momentos que me acompanham e que são a minha bagagem de mão...
O tempo é o que fazemos dele.  E o que conseguimos ser com o passar dele.  E as memórias, as boas e as outras, são uma parte integrante desse mesmo tempo.  São o que me ajuda a aceitar sem reserva o que vou viver amanhã, ainda antes mesmo de se juntar ao resto da bagagem.