terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Eram as últimas horas daquele ano e, como sempre lhe acontecia, deu por si a rever em pensamento os dias para trás, como se fosse possível rebobinar o tempo e voltar a vivê-lo...
Neste ano que agora estava perto do fim aconteceu-lhe tanta coisa... Deu uma nova oportunidade ao amor e fez disso o resto da sua vida!  Viveu momentos impensáveis, encontrou pessoas fantásticas, sorriu tantas vezes (chorou algumas, também), ouviu músicas novas, conheceu histórias que a maravilharam, enfim, chegou à conclusão que o tempo foi pouco demais para tanto... e sentiu-se abençoada por todas estas experiências.  
Nem tudo foi fácil.  Melhor, nem tudo pareceu que ia ser fácil.  A perda do emprego, curiosamente no dia do trabalhador - que ironia! - pareceu-lhe ser o fim do mundo.  Ou muito perto disso.  Pelo menos do mundo em que tinha vivido até ali.  Para quem sempre fora independente, para quem estava habituada a nunca ter de pedir licença, a sempre ter autonomia, foi um golpe muito baixo - logo ela que sempre trabalhou desde muito cedo, que a última vez que recebeu mesada dos pais tinha sido aos dezoito anos... logo ela que sempre dizia que "ter trabalho é uma bênção" e que dedicara os últimos vinte anos da sua vida àquela empresa, que ajudou a crescer e que considerava a sua segunda casa...  Agora, oito meses depois, admira a serenidade que teve na resolução de todo o processo.  Ouviu conselhos, opiniões, sonhou com tudo aquilo algumas noites, mas não se queixou.  Percebeu, desde o início, que era assim que tinha que ser e que algo de muito melhor estaria para vir.  Porque ela sabe que nada nos acontece por acaso...  
A oportunidade que deu a si própria de estar mais com os outros, de se dar mais aos outros, foi uma das coisas boas que lhe trouxe o desemprego.  Passou a ter mais tempo livre sem nunca ter estado desocupada.  E isso foi fantástico.  Porque a ajudou a viver dias cheios de emoções, porque a fez perceber - mais ainda! - que só tem motivos para se sentir feliz.  A experiência do  voluntariado em saúde e com a terceira idade foi das melhores coisas que lhe aconteceu e sente-o como um compromisso para a vida.  Que irá retomar logo que possível, já prometeu a si própria!
Os dias disponíveis para viajar, a qualquer hora e para qualquer local, também foram um presente do desemprego.  Foi o lado bom de não ter obrigações e compromissos.  Que ela aproveitou até ao fim!  Porque ela também sabe que não há nada pior do que desperdiçarmos o nosso tempo.  E que a vida é única e insubstituível e que é muito bom estarmos ao lado de quem amamos.  Porque ela sente que já lhe vai saber a pouco...
Por alturas do final do verão percebeu, uma vez mais, que morrer é apenas deixar de ser visto.  A morte de alguém muito querido e muito próximo veio entristecer-lhe todos os dias durante muito tempo.  Porque ela sentiu que nunca mais nada ia voltar a ser como dantes.  E, de novo, ela percebeu que a morte é um desperdício e que não serve para nada.  Nem para passarmos para o outro lado (como ele diz) porque é deste lado que os nossos amores estão e a vida é para ser vivida em conjunto...  E ela sabe, ainda, que estamos aqui para ser felizes, apenas e só para ser felizes...
Finalmente chegou o mês do Natal.  Como sempre, um mês cheio de prendas, de sorrisos, de luzes, de encanto.  Para ela foram trinta dias de viagens, de conversas, de acordos.  De boas-vindas, também.  E de despedidas, também teve de ser.  Porque não podemos estar em dois lugares ao mesmo tempo, caso contrário ela teria evitado essa parte...
Foi um ano com muitos dias completos.  Enviou muitos cv's, foi a algumas reuniões, encontrou-se com pessoas que só conhecia de nome, desenganou-se com algumas outras que achava que a iriam ajudar.  Porque lho tinham prometido e, afinal, não foram capazes.  Mas valeu tudo a pena, não deu nenhum dia como perdido.
Agora está aqui,  a pensar em todo este conjunto de emoções e de acontecimentos e a achar que mais uma vez, como aconteceu em outros anos impares, este foi um grande ano.  Que a fez crescer.  Que a fez valorizar a vida, ainda mais.  Foi, de facto, um ano ímpar!
E, sorri para si própria, quando pensa nas imensas coisas que não teve tempo de fazer, nos passeios que vai ter de adiar, nas visitas que não chegaram a acontecer.  E na sorte que teve em não ter sentido tédio ou solidão, como no início receou...
Promessa de ano novo?  
- continuar a ser feliz, naturalmente, só pode!



segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Tinha quase dezoito anos quando entrou naquela casa pela primeira vez.  Vinha recomendada por uma amiga que conhecia os proprietários e que sabia andarem à procura de uma criada de dentro.  Ela tinha o perfil indicado, segundo a amiga, e os senhores eram gente de bem.  Uma família tradicional, o senhor era engenheiro na Câmara, a senhora era doméstica, os filhos e netos viviam no ultramar e só estavam nas férias, de quando em quando.  A casa era grande, o jardim maior ainda, mas essa parte não lhe competiria, era cuidado semanalmente por um jardineiro.  O trabalho que teria de fazer, nas palavras da amiga, era interno, as compras e os recados seriam feitos por uma outra criada de servir que já estava com os senhores há mais de dez anos. Ela ficaria encarregue das limpeza da casa, da roupa e da cozinha.  Sempre que mudasse a estação e fosse necessária uma limpeza maior poderia contar com a ajuda de uma ou outra rapariga que fosse contratada para aquele efeito.  O salário, na boca da amiga, era o que menos importava porque nada lhe iria faltar ali.  Teria cama, mesa e roupa lavada e, ao domingo, poderia folgar à tarde e regressar a tempo de fazer o jantar.  Melhor do que isto não existia, ela nem imaginava a sorte que tinha em a amiga se ter lembrado de a recomendar.
De facto sentiu-se muito bem naquela casa.  Desde o primeiro dia que as atenções da senhora e a educação do senhor a fizeram gostar de tudo o que a rodeava.  A Alice, a criada mais velha, tinha o cuidado de a ensinar todos os dias, por forma a que o trabalho ficasse sempre do agrado dos senhores.  Ela era nova e esperta, aprendia depressa e nunca se importava que lhe chamassem a atenção, entendia que era para o seu bem.  Estava grata à Alice e transferiu para ela o carinho que dedicaria à irmã que nunca teve.  
O seu maior sonho era aprender a ler e a escrever.  Queria também viajar para poder conhecer o mundo, não queria acabar como a mãe que o mais longe que foi tinha sido para o hospital da cidade, dias antes de morrer.  Não lhe foram conhecidos namorados ou noivos, nem nunca teve oportunidade de conviver com gente da sua idade e, mesmo agora, quando saía ao domingo à tarde, aproveitava sempre para visitar lugares bonitos na companhia da Alice que também não tinha família por perto.
Os anos foram passando e, talvez pelo convívio diário, o seu cabelo tomou a cor do da Alice e tingiu-se também de branco.  Quando esta morreu, no hospital da cidade, foi a sua mão que lhe fechou os olhos e foi também ela quem lembrou a senhora de lhe mandar rezar uma missa, mensalmente, a cada dia 15. 
Ficou simultaneamente órfã e vazia com a partida da Alice.  Em casa passou a fazer o trabalho dela que foi acrescido ao seu, mas os passeios de domingo à tarde foram deixando de fazer parte da sua rotina.  Preferia ficar em casa a descansar ou a fazer algum trabalho de costura, passando assim o tempo até à hora de preparar o jantar dos senhores.  Que cada vez ia sendo mais leve, não só pela idade deles mas, sobretudo, pela doença do senhor engenheiro que o forçava a uma dieta mais cuidada.
Um dia a senhora enviuvou e ela, a criada de dentro, foi promovida a dama de companhia.  Passou a acompanhar a senhora para onde quer que esta fosse e até nas férias ficava no mesmo quarto de hotel.  Os filhos, há muito regressados do ultramar, convenceram a mãe a vender a casa grande com jardim e a mudar-se para um pequeno apartamento perto deles.  No início não queria, fazia-lhe falta o espaço e o verde do jardim, mas acabou por aceder aos pedidos dos filhos.  E mudou-se, mais a criada de dentro agora dama de companhia, para um pequeno apartamento na cidade onde aqueles viviam.  E os seus dias passaram a ser todos mais tristes.  Durou pouco tempo desde aí, houve quem dissesse que eram as saudades do marido que não a deixavam, eu acho que era ainda a falta do jardim e das flores que lá ficaram.  Os filhos e netos, no dia a seguir ao funeral da mãe, falaram com ela e disseram-lhe que iam vender o apartamento e que seria melhor ir viver com a sua família.  Sem saberem que a única família que ela tinha eram eles.  E que ela estava, também, órfã naquela hora...
Hoje vive num lar, pago mensalmente com as pequenas economias que fez durante toda a vida e com a reforma que não chega para mais nada.  Os seus dias são passados entre memórias, saudades e suspiros.  Já não faz trabalhos de costura porque a sua vista não o permite.  Também não lê nem escreve porque nunca teve tempo de aprender a juntar as letras.  E, também tal como a sua própria mãe, acabará por nunca viajar para um lugar mais longínquo do que uma ida ao hospital da cidade, um desses dias...


domingo, 29 de dezembro de 2013

Porque é que eu soube que eras tu? Porque sim! Porque desde que te reencontrei nunca mais pronunciei a palavra "talvez". Porque entraste na minha vida como se fosse a tua casa. Porque as tuas mãos seguram as minhas como se fossem uma forma. Porque me vejo ao espelho e é a tua imagem que lá encontro. Porque eu ainda não sabia mas estive sempre à tua espera. Porque cabes na minha mão. Porque o teu lugar é ao meu lado, dentro de mim. Porque me mostraste o significado de expressões como "almas-gémeas" e "para sempre". Porque desde aquele momento o meu amor foi teu, como se sempre assim tivesse sido. E eu nem sabia. Porque é que eu sei que és tu? Que é contigo? Porque sim! Para sempre, porque sim!

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Há mudanças na nossa vida que nos custam a vida inteira.  Que nos levam a virar tudo do avesso, a sacudir a poeira de trapos antigos, a desembrulhar ideias novas e, por fim, a dar os primeiros passos no novo caminho.  Há mudanças na nossa vida que mudam tudo.  Que nos fazem sair da nossa zona de conforto e nos mostram outros mundos, outros caminhos, outros finais.  Há mudanças que nos são impostas porque assim queremos.  Que são forçadas porque a nossa escolha é essa.  Há mudanças que valem tudo.  Que valem por tudo.  E que, no final, nos deixam diferentes.  Porque também nos mudam a nós.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Por vezes penso que estou há tempo demais aqui. E que não gosto de criar raízes que me impeçam de sair do mesmo sítio. De conhecer lugares novos, ainda que vistos da mesma janela. Que é a da minha alma. De conviver com pessoas que tenham algo para me ensinar e que me mostrem que valeu a pena deslocar-me até elas. 
Nunca fui de me conformar com as coisas e, de todas as vezes que me senti sufocar, fiz a trouxa e parti para novos lugares. Não me assustou nunca a ideia do novo e do inesperado. Uma das frases que mais gosto diz que "não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças" e isso é uma escola de vida. E o melhor das escolas são os ensinamentos que nos transmitem, quando temos a mente aberta e olhamos para longe.
Por vezes, muitas mais do que gostaria, parece que isto tudo à minha volta é muito pequeno. E que as pessoas, algumas, ficam agarradas a conceitos como se fossem figuras de cera dentro de museus. Não consigo transmitir-lhes o que penso, não entendem os meus silêncios, não tenho essa sabedoria.
Por vezes, algumas vezes, sinto que já estou comigo há demasiado tempo e que está na hora de procurar um outro eu...

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Corro sempre o risco de me enganar. E de ter de refazer tudo desde o princípio. De pensar estar certa e afinal não. De achar que o meu caminho era aquele e, de repente, ele não passar apenas de um atalho para a verdadeira estrada. Que pode, também já percebi, não passar de uma vereda para um outro caminho melhor. Ou não. E aí, lá estou eu a desistir de tudo, menos da vontade de seguir em frente. Como num puzzle, junto as peças e começo outra vez. Já me aconteceu ter de fazer isto em várias fases da minha vida. E a sabedoria, acho eu, é que não perco tempo a lamentar o sucedido e acabo por encarar isso sempre como um novo desafio, como uma aventura. É uma espécie de defesa, eu sei, mas dou-me esse direito. Tenho para mim que cada novo dia é um repetido começar. Não é de rotinas que falo, mas sim de novos começos que a única coisa em comum sou eu. E a minha vontade de fazer diferente. E, contas feitas, até que não tem sido tão mau assim. Acabo sempre por sair ganhando de todo esse percurso, nem que seja o conhecimento da minha própria capacidade de resistir. E de não me desiludir mais, porque já não me iludo fácil. Tudo é aprender. E sair mais rica dessa aprendizagem. E ter a consciência, sobretudo, que corro sempre o risco de me enganar...
Diário de uma Voluntária 19/12/2013

"vamos ter saudades suas", "tem a certeza que quer ir mesmo?", "gostei tanto de a conhecer!"... hoje foram estas as frases de despedida na CSM. Hoje quase me fez chorar o sentir que a expressão "até qualquer dia" tem o significado "até nunca mais" para alguns deles. Eu também vou ter saudades, também vou pensar neles todos para sempre. Levo-os comigo, ocuparão o espaço vazio no meu coração que ficará cá. Vai fazer-me falta o sorriso que recebo ao chegar, as histórias de vida que me contam, os afectos que levo comigo, a esperança que lhes deixo. Foram sete meses de convívio e os laços criados têm o formato de nuvens e raízes de betão. Por causa deles os meus dias ficaram mais completos, mais úteis, maiores. Por causa deles eu fiquei mais rica, mais serena, mais feliz. Porque conheci o fim do caminho e sei o quanto tenho que valorizar o percurso que ainda falta até lá chegar. Porque tomei consciência (mais ainda!) que o meu tempo é único e irrepetível e que tenho que o agarrar sem demora. Porque tive o privilégio de estar perto da experiência, da prática, do conhecimento. Da humildade, também, de quem sabe que pedir ajuda não é sinónimo de fraqueza, mas de partilha. Obrigada! Pelas histórias de amor que conheci. Pelos desencontros que não pude evitar. Pela esperança que me deram a conhecer. Por me fazerem sentir cada dia mais bonita. Vou para longe mas ficarei sempre perto, prometo. E, quem sabe, um dia voltarei se a vida mudar de novo. "Volta, não volta?", perguntou-me a D Custódia à saída... Claro que sim, vou só ali viver o resto da minha vida e já volto...

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Nesta época do ano, uma das coisas que mais a fascina são as iluminações de Natal.  Ainda hoje...
Em pequena ficava deslumbrada com o colorido das luzes a acender na árvore, vermelho, azul, dourado e verde, depois novamente e pela mesma ordem, vermelho, azul, dourado e verde.  Era capaz de ficar horas esquecidas a olhar para elas.  Depois, quando se deitava e fechava os olhos, todos os seus pensamentos tinham aquelas cores, como se a magia do Natal estivesse também dentro do seu sono.  Era, sem dúvida, a época do ano que mais gostava.  Ainda pouco entendia o motivo da troca de prendas e já esperava pelo Natal como se aguarda por uma sobremesa gostosa no final de uma refeição.
Naquela altura o Natal acontecia em pleno verão e, na maioria das vezes, as prendas recebidas tinham a ver com tardes passadas na piscina ou com brincadeiras no parque.  Sempre coisas úteis e que faziam mais felizes os dias que se seguiam.  Fatos de banho, bolas, jogos de praia e até uma bicicleta, coisas deslocadas para os dias de hoje, faziam parte da lista de prendas a incluir na carta para o Pai Natal.  Sim, porque se pedia uma bola de prenda e porque se ficava feliz ao recebê-la.  Naquela altura o Pai Natal já era um velhote de barbas brancas com uma grande barriga, dentro de um fato vermelho, que adivinhava os pedidos e que presenteava todos os meninos que se tinham portado bem durante o ano e que tinham tirado boas notas na escola.  Naquele tempo a árvore de Natal era maior que ela.
Mais tarde, e por ser inverno, passou a fazer sentido a imagem das renas a  puxar um trenó no meio da neve e um Pai Natal sorridente com um saco cheio de presentes pelas costas.  Ele descia pela chaminé em cada casa e deixava junto da árvore de Natal o que tinha sido desejado pelas crianças.  No meio de luzes vermelhas, azuis, douradas e verdes.  Este Pai Natal era mais real, mas ela já não acreditava na sua existência.  Já tinha percebido que as prendas não eram dadas por ele e que as cartas com uma morada no polo norte não chegavam a sair da estação dos correios.  Ela já era mais alta que a arvore de Natal.
Anos depois, ouviu-se a falar daquele personagem mágico às filhas pequenas.  Fez quilómetros de carro para chegar a tempo de o verem descer do helicóptero num centro comercial dos arredores, misturou-se com a multidão de pais e mães, com elas pelo colo, uma de cada vez, para que o vissem sentado a deixar-se fotografar com as crianças e, melhor que tudo, fez ela própria de Pai Natal ao ler, às escondidas, as cartas e ao deixar junto da arvore, aquilo que era pedido, também às escondidas.  Ela sabia que as filhas já não acreditavam naquela história, os colegas na escola já tinham falado sobre isso, mas nenhuma tinha coragem de quebrar a magia.  Ficava sempre para o Natal seguinte.  Continuava a ir ver as iluminações e os enfeites da quadra festiva e a maravilhar-se ao ver o reflexo das luzes nos olhos das filhas.
Um dia, sabe que voltará a falar da personagem simpática e carinhosa aos netos.  Enquanto eles forem mais pequenos que a árvore de Natal.  E que os ajudará a escrever a lista das prendas e a enviar para ele.  Por email ou sms, quem sabe...
Muito antes desse tempo, em casa da avó dela, o natal era diferente.  Não tinha árvore com luzes, apenas um presépio com figurinhas e musgo a sério.  Ali, era o Menino Jesus que deixava a prenda no sapatinho propositadamente colocado perto da chaminé, na cozinha.  Dizem-me que quando questionava como o Menino conseguia carregar com coisas maiores que ele, a resposta era que os pais serviam de intermediários e tratavam eles de tudo.  Mas disso ela não se lembra, as memórias que tem são das muitas histórias que ouviu contar...
Ainda hoje, uma das coisas que sempre consta da sua lista de prendas é ir ver as iluminações de Natal.  E, quando volta, traz consigo todas as cores que enfeitam as ruas da sua cidade e que darão cor ao resto dos dias até ao Natal do ano seguinte...

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

É preciso ter lata!  E muita falta de imaginação, também, para te ires embora assim.  Tu que prometeste ficar comigo para sempre, todos os dias do resto das nossas vidas, vais embora assim, sem mais nada, sem me dares uma explicação, sem te despedires, como quem foge...
Quero dizer-te que não gostei nada.  Os amores são mesmo assim, começam e acabam quando menos se conta, já ouvi dizer que os melhores são aqueles que acontecem na nossa vida quando não procuramos nada, assim como se fossem um presente, e eu estou totalmente de acordo.  Tu foste o meu presente, o mais improvável de todos, o que eu sempre quis e nunca imaginei ter na minha vida e agora deixas-me assim... por ela, ainda por cima!  É preciso ter mesmo muita lata! E muita falta de amor por mim, também.  Deixaste-me triste.  Diria mesmo inconsolável!  E agora?  Que faço com todos os projectos que ainda tínhamos em comum?  Que faço com as minhas mãos que estavam sempre dentro das tuas?  Que faço com os teus livros?  A roupa e os sapatos eu sei que posso sempre dar a quem os use, mas... e os livros?  Todos os que leste e os outros, os que ainda esperam dentro de um saco que os tires de lá.  Que ias comprando, sempre na ideia de os leres mais tarde, quando houvesse tempo para isso... Imagino que se sintam como eu, abandonados.
Não me apetece que mais ninguém me ache bonita, que me diga que não existe mulher mais amada do que eu, em toda a terra, para toda a eternidade.  Não quero ouvir as tuas palavras na boca de outro homem, percebes?   Devias ter pensado em tudo isso antes de te ires embora.  Desta forma, como quem foge, como um cobarde... Mais valia teres-me dito que já não querias mais ficar comigo, que ias iniciar um novo caminho, que me ias deixar para trás.  Ia ser duro, eu sei, mas eu acabaria por entender, por me conformar.  Assim não!  Não é pela tua falta que eu choro (porque eu ainda nem consegui chorar!), mas antes por mim, porque me vão sobrar as mãos, os lábios, o coração.  E o amor!  Sim, porque eu não sou como tu, eu não deixo de te amar só porque decidiste faltar ao prometido e ir embora.  Tu és ainda a minha eternidade, a única forma de viver que eu quero para mim, para sempre.
Não me ouves, eu sei... Já não me ouves e também nunca mais me irás responder.  Como vai ser a partir de agora?  Vou deixar de usar os verbos no plural e pensar só por mim?  Vou manter-te na minha casa como estás no meu coração, presente?  Tenho medo de não ser capaz, de não conseguir, de querer ir atrás de ti e de não te encontrar nunca mais...  Trocaste-me por ela, de repente, sem me teres preparado para isso.  E eu, que tanto te amo ainda, não consegui enfrentá-la e manter-te deste lado, comigo.   Porque eu só te abraçava com o meu amor enquanto ela, a morte, te envolveu na sua escuridão e tu nem deste conta e deixastes-te levar.  E isso não se faz, meu amor!

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Não quero livros
nem luzes!
Quero-me na escuridão
do meu silêncio,
a ouvir aquela canção 
que gira dentro de mim...
Quero a noite no meu quarto
onde não há impossíveis,
onde adormeço
com as mãos cheias de estrelas...
Não quero portas abertas,
nem janelas, que me tragam 
vozes de gente
lá fora!
Quero ficar só comigo,
vivendo a vida que eu gero
no meu sonhar acordada!
Não quero livros,
nem luzes,
só eu e a noite,
e mais nada!

(chamei-lhe "Isolamento" em 30/12/1980)

É esta tristeza que me abala
e esta imensa solidão que me acorda
e vive comigo, dia-a-dia, momento a momento...
É a "companhia" alegre e triste
que não me deixa só e que comigo
reparte a solidão que em nós habita!
Só eu a sinto! (e ela a mim),
e neste sentir e ter somos só uma
que se confunde e separa,
simultaneamente...
Em nenhum momento sou eu só
e esta companhia que anda comigo
e me abandona,
é algo que me pertence
e não é meu... e só assim
sou realmente eu o que sou eu...

(chamei-lhe "Contradição" em 11/06/1981)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Diário de uma Voluntária 12/12/2013

Estão sentados na sala de convívio em silêncio, como se estivessem dentro dos seus próprios pensamentos. O único som que ouço quando entro na sala são as vozes alegres da Tânia Ribas de Oliveira e do João Baião, que apresentam o programa da manhã. Parece-me que só eu os ouço, só eu dou pela sua presença. De resto, todos estão imóveis, calados, como numa fotografia. Dou os bons dias da porta quando entro e, depois cumprimento-os individualmente e troco algumas frases sobre temas de cada um. Chamo-os pelo nome, sempre, socorrendo-me da minha memória. O nome que, na maioria dos casos, é a única coisa que possuem do passado, que os continua a acompanhar ali dentro. Para trás deixaram a casa, os quadros e os móveis, os vizinhos, a caixa do correio, a profissão. Para trás ficou a vida inteira. Aqui com eles vivem apenas as memórias, a saudade e o nome, o seu nome que é único e insubstituível. Mesmo que naquele local estejam duas Anas ou três Isabel, todas são diferentes e a sonoridade de cada nome é irrepetível. Para eles eu sou um anjo ou uma amiga, um raio de sol ou um livro que lhes traz histórias antigas que gostam de recordar. Sou a confidente que os escuta quando é tempo de desabafos, a mão que lhes chega o lenço quando a tristeza está por perto. Na maior parte das vezes escuto. Dou o mote e escuto o que vem atrás. Que é sempre novidade. Ainda que já me tenha sido contado aquele episódio, tento sempre ouvi-lo pela primeira vez. Porque de todas as vezes tem ingredientes novos, mesmo que o final seja o mesmo. Todos os dias aprendo coisas com eles. Hoje foi a consciência de que para eles o seu nome é o som que mais gostam de ouvir dito pela minha voz. E que é, também, a única coisa que verdadeiramente está connosco para a vida.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Hoje, ao sair de casa, tropecei em ti.  Ia a olhar em frente, passaram por mim duas crianças a correr que me distraíram a atenção e nem te vi aproximar.  Antigamente conseguia perceber que estavas a chegar, muito antes de te ver.  Nessa altura até adivinhava se vinhas cansado ou com vontade de ir ao cinema, apenas pela forma como olhavas para mim.  Agora, quando te vejo, parece que nunca te conheci.  Parece que o que vivi ao teu lado foi apenas imaginado por mim.  Já não sei se me sorris por simpatia ou por distração, por educação ou por alguma lembrança que ainda te assalte quando me vês.
Hoje, quando quase caí nos teus braços, fiquei sem perceber se o teu abraço seria para evitar que me magoasse ou para que não me fosse embora outra vez.  Tudo aconteceu tão depressa que nem percebi bem o que me disseste.  Nem a forma como o disseste.  Olhei para ti e, de repente, fiquei sem saber se te deveria pedir desculpa por ter esbarrado em ti sem querer ou por te ter deixado sozinho num outro tempo.  
Sabes, o passado volta de vez em quando e isso serve também para arrumar o que ficou fora do sítio lá atrás.  Ajuda-nos a perceber as atitudes, as palavras, a ausência.  Ajuda-nos a entender o que ficou dito, a aceitar melhor o que não chegámos a falar.  Gostava de te dizer que estou bem, que o que a minha imagem reflecte é mesmo assim, eu estou muito feliz e, se fosse necessário, faria tudo outra vez.  Gostava, ainda, de te conseguir mostrar que fico bem por te saber também bem, por saber que os teus dias não são sozinhos, que os divides com alguém que te acompanha.
Hoje, quando me senti de novo nos teus braços, pareceu-me voltar a casa.  Mas foi só uma impressão de momento, logo percebi que éramos dois estranhos que se cruzaram no tempo errado e que apenas conseguem ser cordiais e logo depois seguir o seu caminho.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Oito de dezembro de mil novecentos e setenta e quatro - um dia que poderia ter sido igual a tantos outros mas que mudou a minha vida para sempre.  Para trás ficaram a infância despreocupada e quase feliz, a terra quente do hemisfério sul, os amigos de todos os dias.  Os cheiros e as cores de Lourenço Marques, agora Maputo, ainda me acompanharam durante algum tempo, mas essa lembrança foi ficando embaciada com o passar do tempo.
Lembro que era o início de mais uma noite de verão quando embarcámos naquele avião da TAP que nos traria de volta à metrópole, a mim, ao meu irmão pequenito e aos meus pais. Do outro lado do mundo, à nossa espera, estavam os avós e as minhas irmãs mais novas, que já tinham vindo uns meses antes.  E também um frio intenso de quase inverno, em dias cada vez mais pequenos, escuros e tristes.  Para mim, que só conhecia esta metrópole das férias grandes passadas na Figueira da Foz e em Coimbra, com dias de calor e sol até depois do jantar, o aterrar na Portela com dois graus foi de gelar o coração.  O ar triste de todos os que vinham a chegar, na sua maioria retornados das ex-colónias como nós, quase sufocava a alegria de voltar a ver a família que nos esperava à saída.  O meu irmão vinha muito doente.  Nós ainda não sabíamos mas ele ia morrer dali a cinco meses.  Quando os dias começassem a ser maiores e o calor voltasse a fazer-se sentir.
Lembro que naquele dia tudo me pareceu estranho e desconfortável.  E as memórias que guardei ainda hoje as sinto como se do negativo de uma fotografia se tratasse.  A preto e branco e, o pior, geladas.  Dali para a frente foi o tentar pintar com outras cores os dias, uns mais conseguidos que outros, mas os episódios tristes foram fazendo parte do nosso quotidiano.  E do de tanta gente, naquela altura.  
Não me lembro de ter perdido muito tempo a tentar perceber o que tinha acontecido.  Porque motivo a vida que tínhamos tido até ali nos fora arrancada à força, sem espaço para resistir.  Os acontecimentos sucediam-se a um ritmo que nem os adultos conseguiam sair do estado de anestesia em que estavam.  A maioria tinha vindo de mãos a abanar e tinha de aceitar isso como uma realidade imutável - "vão-se os anéis e fiquem os dedos" dizia-se em jeito de consolo... Os dedos magros, vazios, sem esperança...  Falava-se mais mais do passado do que do presente,  todos tinham muitas histórias para contar e quase nada para dizer do tempo em que estavam.  Do futuro, então, nem se pensava, só os que por vezes alucinavam é que tinham essa ousadia.
Oito de dezembro daquele ano.  A vida mudou para mim e para milhões de outras pessoas por esse mundo fora.  Eu não percebi.  Agora, à distância de quase quatro décadas, percebo que, na maior parte das vezes, a vida não é a fotografia que lhe tiramos, mas antes o negativo dela própria...

sábado, 7 de dezembro de 2013

Amar dá trabalho.  Encontrar alguém que achamos parecido connosco, deixá-lo entrar no nosso coração, decidir fazer o caminho na sua companhia até pode parecer fácil, mas viver com essa decisão o resto dos nossos dias é algo que só se consegue com muito esforço.  
No início todos os amores parecem simples.  O encantamento da descoberta, da novidade, os carinhos, o "faço tudo por ti", o "és tudo para mim", tudo é simples e imediato, tudo sai da boca mesmo antes de passar pelo coração.  Não há nenhuma tabela para medir os sentimentos, uns mais contidos e discretos, outros mais intensos, mas todos fazem nascer asas nos pés dos amantes e os deixam a voar por aí.  
Nessa altura todos os projectos em comum são possíveis.  Aliás, nessa altura, a palavra impossível ainda não mora no pensamento de nenhum deles, ainda faz parte do desconhecido.  É o tempo das promessas, dos projectos, do "para sempre".  É o tempo de esquecer o resto do mundo e viver apenas para esse amor, deixar para trás toda a vida e ficar sempre assim, junto dele, mão na mão.  É o tempo em que cuidar dele deve ser o principio e o fim de tudo.  Dar-lhe raízes para que se fixe e se sinta seguro, para que nunca lhe seja fácil partir.  Para que ir embora nunca seja opção.  E dar-lhe também asas para que se sinta livre.  Porque estar preso não é bom, nenhum amor merece isso.  Nós, os que cuidamos dele, também não queremos essa sensação.  Queremos estar livres para amar, para sermos um só, sendo sempre dois. 
Amar dá trabalho.  Faz-nos bem, enche-nos a alma de alegria e de luz, mas dá muito trabalho.  E só quem se empenha a sério nesse projecto que é cuidar de um amor dia após dia é que o chega a conhecer.  
Amar dá trabalho.  E alegria, também.  Muita alegria.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Diário de uma Voluntária 05/12/2013

Era quinta-feira e tinham combinado almoçar juntos.  Contrariamente ao que era costume, ele estava atrasado.  Ela sabia que ele não vinha de carro para a baixa, exactamente para não perder tempo com o trânsito e o estacionamento, ele que era sempre tão pontual.  A sua intuição disse-lhe que algo estava errado, decidiu ligar-lhe para o escritório na esperança de ouvi-lo dizer que se tinha atrasado com um cliente. Foi um colega que atendeu, diz-lhe, quase a medo, que o tinham levado para o hospital.  Foi na saída do metro da Praça da Figueira, quando ia ter com ela.  Os últimos degraus já não foram subidos "dois-a-dois", caiu sem sentidos e tiveram que chamar o Inem.  Foi o tempo de desligar o telefone, pegar na mala e no casaco e correr para um táxi, na direcção dele.  Encontrou-o numa cama, imóvel e cheio de tubos e de dúvidas sobre o que estava a acontecer.  Ele já não falava mas ela sabia ler-lhe o pensamento e percebia o que lia.  Não houve nada a fazer, o coração dele não resistiu e nem o amor que sentiam um pelo outro o salvou.  Iam casar no final do ano, tinham tudo pronto inclusive o vestido de noiva, aos 22 anos o coração dela ficou viúvo, subitamente, numa quinta-feira.
Passado uns anos, depois de arrumar esta perda e de anestesiar a dor, conheceu aquele com quem viria a casar.  Era de novo quinta-feira.  Foi feliz com ele, muito feliz, segundo me conta.  Não havia nada que ele não fizesse por ela.  Ele lia-lhe os pensamentos e satisfazia-lhe os desejos.  Viviam um para o outro, de tal modo que a filha sentia ciumes daquela dedicação.  Foram 44 anos juntos todos os dias até àquela quinta-feira em que ele não resistiu mais à doença que o vinha minando por dentro.  Ela estava de novo sozinha e inconsolável.  A filha, entretanto, casara e fora viver para o norte - na maior parte dos meses só comunicam ao telefone.
Passaram 11 anos entretanto.  Diz-me que não há um único dia em que não chore a ausência do marido.   Do resto do passado, só refere que não há explicação para os desgostos que teve, demais para uma só pessoa.  
Vive sozinha em Lisboa, a única pessoa de família que tem por perto é uma sobrinha com quem fala regularmente.  Há dois meses caiu em casa.  Partiu uma perna e teve de ser operada de urgência.  Do hospital não pôde regressar a casa e teve de dar entrada num lar, a autonomia ficou comprometida e a necessitar de atenção e cuidados.  Foi lá que hoje a conheci e ficámos, desde logo, muito próximas. Em pouco tempo contou-me tudo o que estava preso na garganta, falou-me dos amores, mostrou-me fotos.  Era belo o marido, como a filha, ela própria ainda tem traços de ter sido uma mulher muito bonita - "um caso sério com os rapazes" ainda me disse a sorrir...
Quando me despedi diz-me o quanto gostou de me ter conhecido e refere "não gosto de quintas-feiras, perdi sempre os que mais amei nesse dia, preferia tê-la conhecido num outro dia da semana. Vai voltar, não é verdade?"
Hoje é quinta-feira.  Como será dentro de uma semana, quando voltarmos a estar juntas, prometo!

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Ela está sentada numa esplanada a tomar um sumo e a folhear uma revista.  Está distraída, não presta atenção ao que vê,  o seu pensamento está longe e ela não o consegue controlar.  Isto acontece porque ele é livre, pensa, mas a verdade é que ele está preso a um passado que a marcou e que continua a acompanhar os seus dias, ainda que inconscientemente.  Sempre que interrompe um pouco a sua azáfama diária, os seus pensamentos vão parar àquele tempo em que a felicidade e a expressão "para sempre" eram sinónimos.  Como uma espécie de obsessão que a acompanha.  Ao principio revia mentalmente tudo para ver onde tinha errado, o que poderia ter feito para evitar o que aconteceu.  Pouco depois isso passou a ser um vício, mal dava conta o passado voltava e ensombrava-lhe os dias, as horas e o agora ficava sem espaço para ser vivido.  
Foram felizes durante quatro anos.  Agora, à distância, até lhe parecia estranho ter sido tão pouco tempo, para ela tinha sido a vida inteira.  Não conseguia recordar nenhum outro antes dele, também nada havia para se lembrar depois.  Parecia que a sua vida tinha começado e acabado naquele amor.  Não precisavam de fazer planos de futuro porque nenhum deles imaginava o dia seguinte sem o outro.  Iam ficar juntos para sempre.  Pelo menos para ela era assim...
Tinham-se conhecido num jantar de anos de um amigo comum, que apadrinhou a relação e fez de tudo para os ver juntos o mais depressa possível.  Ela ficou encantada com o charme dele, com a voz, com a cultura que demonstrava ter.  Ele, acabado de sair de uma relação complicada, gostou da alegria dela e do encantamento que sentiu que produzia naquela mulher.  Sentia-se amado e respeitado, percebia que se tinha tornado prioritário na vida dela.  E isso era bom.  Muito bom.  Mas não chegava...
Ele era tudo para ela.  De tudo o que ele tinha, ela era apenas uma pequena parte.  Ela amava pelos dois e nem dava por isso.  E achava-se feliz.  
Partilhavam a casa, os dias, os amigos, mas não a vida e os sonhos.  E ela nem se apercebia disso, vivia e sonhava pelos dois.
Um dia ele chamou-a para uma conversa que dizia ser urgente e inadiável.  Ela deixou o trabalho a meio e sentou-se no sofá, pronta para o ouvir.  A conversa, que afinal era um monólogo, durou pouco mais de cinco minutos.  O tempo dela morrer de repente.  A tal relação anterior tinha voltado e ele queria dar-lhe uma nova oportunidade.  Tão simples como isso.  Ela apercebeu-se que tinha acordado de repente do seu sonho, chorou e sofreu pelos dois.
Depois disso já teve convites para sair com amigos, para jantares de aniversário onde se poderia cruzar com pessoas interessantes, mas ela ainda vive naquele momento.  Ele já casou e vai ser pai no próximo mês, mas ela ainda está lá atrás, sentada no sofá a ouvi-lo discursar com a voz que tanto amava.  Ela foi feliz dentro do sonho e não sabe como sobreviver sem ele...
De facto, e como disse alguém antes, os que dizem que o amor é um sonho, são provavelmente aqueles que logo depois afirmam que nos sonhos não se deve acreditar...